Newsroom, esquina de Wall Street com Presidente Vargas – por Paulo Roberto Pires

Newsroom, esquina de Wall Street com Presidente Vargas

por Paulo Roberto Pires

The Newsroom

Ver Newsroom entre as emanações não letais (sic) da polícia carioca é uma experiência e tanto. Iniciando agora a segunda temporada, a série da HBO é tudo menos lazer: faz pensar o tempo todo no que é jornalismo hoje e, sobretudo, no que poderia ser. E, curiosamente, no ponto em que o Brasil de 2013 encontra os Estados Unidos de 2011 – então vivendo uma onda de intolerância política e conservadorismo nem sempre bem refletida pela imprensa.

O cenário da série produzida e escrita em parte por Aaron Sorkin, de A rede social, é a redação de um canal a cabo nova-iorquino. Sua estrela, Will McAvoy (Jeff Daniels), é um âncora no tradicional estilo americano, menos papagaio e mais pensante, que entra em crise e reinventa sua carreira e a si mesmo fazendo um jornalismo agressivo cujo principal alvo é o Tea Party, o movimento ultraconservador dos EUA.

McAvoy não é herói. É republicano, conservador e vaidoso além da medida. Sem deixar nada disso de lado, acha inaceitável o reacionarismo americano e passa a fazer jornalismo de combate, escorando com fatos, uma profusão deles, seus posicionamentos contundentes.

Nessa reinvenção, tem o apoio de um velho jornalista (Sam Waterston, genial), que faz o meio de campo com a dona do canal (Jane Fonda, numa piscadela para seu finado casamento com Ted Turner, o dono da CNN) e contrata como produtora sua ex-namorada MacKenzie McHale (Emily Mortimer). Ela irrita McAvoy e o estimula na mesma medida.

Tudo é ficção, só que imbricada com os fatos reais. Políticos aparecem com seus nomes, são espinafrados com seus nomes. A redação se desdobra para noticiar primeiro o assassinato de Bin Laden, há grampos ilegais usados para apurar reportagens, e pressão, muita pressão, pelo alinhamento editorial da TV. É nesse ponto que termina a primeira temporada: McAvoy diz no ar que o Tea Party é o Talibã Americano.

Nesta segunda temporada, que começou na semana passada, o canal vive em flashback as sequelas de uma denúncia que se provou falsa. E sofre diversos tipos de boicote, políticos e financeiros, pela comparação dos conservadores com o Talibã. A autocensura reina ao ponto de McAvoy acatar a sugestão de não ancorar os especiais de dez anos do 11 de setembro para reduzir o atrito. O desgaste é imenso.

Mas o melhor é a trama secundária em que o nerd da redação, Neal Sampat (Dev Patel), segue em sua sina de ser sacaneado por todos ao propor a cobertura de um protesto desorientado e sem líderes declarados, um tal Occupy Wall Street. De uma hora para a outra, você anda pelo Soho lembrando da Gamboa.

Há as reuniões que lembram diretórios estudantis, a perplexidade do jornalista diante das propostas aparentemente desorganizadas, as ambições desmedidas dos manifestantes, os jovens desacreditados. E a decisão, relutante, de que o bando de malucos concentrados na parte baixa de Manhattan deve ser objeto de alguma atenção.

Até que, no episódio de ontem, o nerd vai em cana. Durante uma manifestação, a polícia bate geral. Mas ele consegue gravar tudo com seu telefone e enviar para a redação antes de também ser preso. A um dado momento, morto de cansaço, achei que estava misturando os canais. Mas logo vi que estava na HBO quando MacAvoy entra na delegacia e faz uma veemente defesa de Neal, mostrando ao policial perplexo as cenas de arbitrariedade antes de pagar a fiança.

É difícil imaginar uma série ou novela brasileira que tematize de forma tão crua e direta os fatos, com referências concretas e, ainda por cima, um ponto de vista crítico tão bem definido. Mais difícil ainda imaginar um telejornal que assuma posições bem definidas, que contemple a diversidade do que acontece e não eleja como fonte primária uma entidade onipresente, conhecida hoje como Segundo A Polícia.

Série, assim como novela, pode ser escapismo. No caso de Newsroom, inaugura-se um novo roteiro: o escape para a realidade. Pois a cota de ficção já está muito bem preenchida.

 

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