A morte e as mortes de um editor de livros – por Paulo Roberto Pires

A morte e as mortes de um editor de livros
por Paulo Roberto Pires

Morreu André Schiffrin e, com ele, a melhor e mais radical voz crítica ao histérico cassino em que se transformou o mercado editorial internacional. Em seus 78 anos, fez por honrar o pedigree do pai: Jacques Schiffrin criou a Pléiade, a coleção de clássicos mais bonita e completa do mundo, e fundou a Pantheon Books, na qual o filho fez carreira. E, como é cada vez mais raro no meio dos livros, uma carreira de profissional e não de herdeiro.

Demitido da Pantheon no final da década de 1990 por divergências com a Random House, grupo que então controlava a editora, partiu para um novo negócio, a New Press, e para uma nova vida, a de autor. O negócio dos livros, publicado em 2000, mostra como o  meio editorial estava virando um ambiente inóspito para quem administrava os números como uma consequência dos livros e não como um objetivo que se sobrepunha a eles. Trata-se de um ensaio-panfleto, no melhor sentido do termo, que pode ser resumido pela advertência de que a orgia de fusões de grupos editoriais, com a maximização dos lucros e a tentativa de transformar o livro em mais negócio “de conteúdo”,  podia até fazer bem para o caixa,  mas muito mal para o catálogo.

Os 13 anos entre o lançamento do livro (aqui saiu em 2006 pela Casa da Palavra) e esta morte que parece prematura mostram como Schiffrin acertou na mosca, mas talvez tenha errado o calibre. No final das contas, os “grandes grupos” transnacionais e seus epígonos locais terminaram tendo ganhos abaixo da estratosfera que imaginavam – por conta da altitude das metas, não do dinheiro que entrou, bem entendido. E nós, leitores, passamos a dispor de um cardápio muito mais esquálido e medíocre do que poderiam supor os pessimistas de então.

É fácil imaginar que Schiffrin tenha se tornado, à sua revelia, uma espécie de paladino das edições independentes numa batalha contra o Mal idealizado nos conglomerados. Mas o bom de sua crítica é justamente ser livre de qualquer ressentimento ou fantasia: ao passo em que escrevia, sempre muito bem informado sobre políticas para o livro de diversos países, inventava formas de, na New Press, subsidiar os livros que seriam rejeitados pelo rigor das planilhas.

Criado entre a França e os Estados Unidos e vivendo entre Paris e Nova York, Schiffrin reuniu, acho eu, o melhor dos dois mundos: a disposição incansável para questionar, experimentar hipóteses e, também, um sentido prático de transformar inquietações intelectuais em caminhos possíveis de ação. Uma cabeça admirável, que pode ser entendida em seu breve e inteligente livro de memórias pessoais, A political education.

Depois de O negócio dos livros, viajou o mundo defendendo suas ideias. Seu charme aristocrático foi boa munição para os críticos que preferiam mudar de assunto e botar sua combatividade na conta de um radical chique que usava belas gravatas. Mas como se viu na entrevista ao Roda Viva, exibida em janeiro deste ano, Schiffrin era, isso sim, um tenaz analista de como, aqui e ali, a concentração das editoras nas mãos de poucos grupos tem consequências não pequenas para a vida intelectual.

Publicado aqui em 2011, O dinheiro e as palavras (Bei) foi seu último livro e apontava para novos caminhos nas discussões de seus temas mais caros. A crise, mostrava ele, se estende de forma inexorável para a imprensa e se potencializa, no mercado de livros, com o advento do digital. Não há em sua análise qualquer forma de tecnofobia, mas apenas uma atenção para o risco das soluções prontas, povoado por consultores que ganham a vida reinventando a roda do livro – ainda que sem explicar como fazê-la girar.

Nos livros e no mercado, André Schiffrin reuniu idealismo e realismo. Pelo primeiro poderia entrar na história intelectual de seu tempo, mas é graças ao segundo que vai sobreviver como os bons editores sobrevivem: pela qualidade do que publicou e, também, pelo que se recusou a publicar.

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