Links da quarentena: A era da tela dividida e a arquitetura pós-pandemia

Links da quarentena: a era da tela dividida e a arquitetura pós-pandemia

Toda sexta-feira, a serrote indica uma seleção de links sobre o mundo em tempos de pandemia.

Na edição de hoje: a tela dividida, uma das imagens definidoras do nosso tempo, já inspira até clubes de leitura silenciosa. E arquitetos e urbanistas imaginam como serão as cidades depois da pandemia.

E mais: o diário de uma escritora chinesa radicada em Wuhan, o livro dos pensadores argentinos sobre a covid-19 e uma revista ao vivo em plena quarentena.

Esta seção é parte da série #IMSquarentena, com ensaios do acervo, colaborações inéditas e indicações de leitura. 

Mais do que a janela privilegiada sobre o mundo em quarentena, a tela do computador ganha status de espaço público quando se fragmenta para propiciar a comunicação mais direta possível de nossos dias. “A tela dividida é a metáfora visual perfeita da era que começa”, observa Álex Vicente numa ótima reportagem para o Babelia. O jornalista do El País ouve artistas visuais, cineastas e filósofos sobre o recurso que remonta aos trípticos da pintura, no século XVI, tem largo uso no cinema e adentra a vida privada com o Zoom, plataforma que, em abril, contava com 300 milhões de usuários. “Graças a ela [a tela dividida] estamos juntos e separados, conectados e isolados, unidos por uma distância prudente”, observa Vicente. Esta conexão paradoxal ganha requintes de sofisticação nas sessões de uma Silent Reading Party promovida pelo jornal The Stranger. Gal Beckerman conta no New York Times como mais de 200 pessoas ligam seus computadores todas as semanas para, ao som do piano que aparece em close numa das janelas, lerem silenciosamente, cada um na sua, na sua poltrona preferida, na cama ou na cozinha, os livros que escolhe. O evento, que em tempos de contato físico já era sucesso num hotel de Seattle, cidade-sede do jornal, ganha o mundo para quem se dispõe a pagar entre 5 e 20 dólares pelo prazer peculiar de compartilhar o silêncio. “Numa semana, eu contei cinco gatos, nove cachorros e 22 taças de vinho”, escreve Beckerman, que compara a experiência ao voyeurismo de observar as janelas de um prédio.

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No futuro, quem se arriscará em um shopping center lotado? Fará sentido se apinhar em escritórios? Em meio à escalada da pandemia, essas perguntas podem parecer distantes, mas arquitetos, urbanistas e designers já estão em busca de respostas. Emergências sanitárias sempre foram o motor de grandes transformações nas cidades. A arquitetura moderna, por exemplo, com suas linhas retas e vãos livres criando espaços claros e arejados, foi em grande parte uma resposta a epidemias de tuberculose, cólera e gripe na virada do século 19 para o 20. Agora, as marcas da covid-19 na organização das cidades podem ser muitas: a substituição de monitores touch-screen por tecnologias ativadas por voz, a onipresença de termômetros e superfícies antibacterianas, a reestruturação de ambientes de trabalho e emergências hospitalares.

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Enquanto o Brasil chafurda em truculência e irresponsabilidade com mais de 20 mil mortos e 200 mil infectados pelo Covid-19, a Argentina promove uma discussão de alto nível sobre os desafios que o país e o mundo enfrentarão uma vez controlada a pandemia. Criado para honrar o compromisso de Alberto Fernández de estabelecer o diálogo “com todas, com todos, com todes”, o programa “Argentina Futura”, plataforma de debates que reúne intelectuais e especialistas de diversas áreas e tendências, dá seu primeiro fruto editorial, o ebook gratuito O futuro depois do Covid-19. Vinte e oito autores, dentre eles Beatriz Sarlo, Walter Mignolo e María Moreno, analisam múltiplas perspectivas da crise, das transformações inevitáveis no Estado ao debate sobre as “novas subjetividades”. É também argentino o projeto da ASPO (Aislamiento Social Preventivo Obligatorio), editora que produziu um dos primeiros livros instantâneos sobre a crise, Sopa de Wuhan, e que agora publica uma outra antologia, La fiebre. “É uma desculpa para diminuir o distanciamento e propor temas que escapem à pauta da mídia”, diz o editor Pablo Amadeo em entrevista à Gattopardo. O selo editorial, criado pelo professor de Comunicação da Universidade Nacional de La Plata, nasceu na crise e deverá morrer com ela: a ideia é desativá-lo assim que se revogarem as medidas de isolamento social.

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No final de janeiro, quando o governo chinês decretou lockdown na província de Wuhan, epicentro da pandemia de covid-19, a escritora Fang Fang, radicada na cidade, começou a publicar um diário na internet. Todas as noites, ela compartilhava suas impressões sobre a quarentena forçada e sobre a resposta confusa das autoridades ao avanço do coronavírus. Os posts, agora reunidos no livro O diário de Wuhan, iluminam a crise global em detalhes pungentes: o abandono do mercado popular onde foram registrados os primeiros casos, uma pilha de celulares na porta do crematório para onde foram levados os corpos de seus antigos donos. O olhar crítico de Fang Fang despertou reações do regime, que censurou posts da escritora e agora tenta desacreditar o livro, prestes a ser publicado em 15 idiomas.

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Fundada em 2009, em São Francisco (EUA), a Pop Up Magazine é uma revista ao vivo, com um pé no jornalismo e outro no espetáculo. Quatro vezes por ano, sai em turnê pelo país com uma apresentação inédita reunindo leituras, performances, projeções e música. As sessões, que nunca são gravadas, atraem milhares de pessoas e já inspiraram outras iniciativas semelhantes ao redor do mundo – é um dos modelos da Serrote ao Vivo, edição especial da revista concebida para o palco e realizada todo ano, desde 2018, durante o Festival Serrote. Com a quarentena, a Pop Up decidiu, pela primeira vez, transmitir uma edição. A apresentação acontece na quarta-feira, dia 27, às 22h (horário de Brasília).

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