15 vezes 15

serrote #3, novembro 2009

15 vezes 15 – A instauração da República no Brasil segundo seus protagonistas

ANGELA ALONSO

 

Não nos é possível neste momento ser historiador, apreciando os fatos em suas causas próximas ou remotas e emitindo juízo sobre casos que, para justo e imparcial julgamento, exigem a calma da reflexão. Vamos expor simplesmenteos acontecimentos de ontem, segundo as versões que nos pareceram mais aceitáveis.

JORNAL DO COMMERCIO, Rio de Janeiro, 16.11.1889

 

1. PALAVRA DE MAJOR

De calça e paletó havana com pontos brancos, chapéu preto de feltro e óculos azuis, o impetuoso major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, futuro sogro de Euclides da Cunha, está pronto para um golpe de estado.

Passa das três da tarde quando toma o bonde até o largo de São Francisco de Paula. Na rua do Ouvidor, que cospe gente para a calçada, pergunta se alguém viu Quintino Bocaiuva, Aristides Lobo e Lopes Trovão. Vem alertá-los: o governo irá prendê-los, assim como ao general Deodoro e ao dr. Benjamin Constant. Segue para a rua do Imperador e, perto da sede da 2ª Brigada, sopra a dois alferes que a polí­cia e a Guarda Negra atacarão os quartéis.

O boato é fogo em pólvora. Satisfeito, torna a casa para envergar a farda, que nessa noite de 14 terá muito uso.

 

2. DILIGÊNCIAS DE UM DELEGADO

Não é de hoje que o conselheiro José Basson de Miranda Osório suspeita do desgoverno das coisas. Hesitações em prevenir levam ao que não se pode remediar. Em julho, aquele caixeiro português desempregado deu tiro e viva à República, ao passar o carro do imperador. Basson o fez prender – embora digam que o açulou, para poder baixar sanções contra os desor­deiros. Proibiu, por exemplo, os vivas à República e espalhou secretas para aclamarem a monarquia, devidamente munidos de paus e navalhas. É que Basson, a despeito dos 53 anos, baixa estatura e olhos azuis, joga capoeira e, segundo seu colega de turma Almeida Nogueira, é “valente cacetista”.

Em desacordo, estudantes da faculdade de medicina vaiaram um minis­tro, enquanto compravam laranjas. Basson houve por bem endossar seu subdelegado na proibição à quitandeira. Os moços protestaram com pas­seata, levando a quitandeira, de baiana, e legumes e frutas na bengala e no chapéu. Em vivas… às laranjas.

De lá pra cá, tudo malparado. Somente ontem o visconde de Ouro Preto pediu-lhe providências. Hoje abundam rumores. O 1º Regimento está em armas em seu quartel. O homem que Basson mandou para averiguar ficou lá preso. Ele então reúne 40 praças e dois oficiais. São 11 da noite, num século que dorme cedo. Ainda assim, manda acordar ministros e o presidente da província. Ao chefe de gabinete escreve: “Afonso […]. Julgo necessária a tua presença aqui por todos os motivos.”

 

3. O HOMEM DE X + B

Segundo o imperador, Benjamin Constant é “excelente criatura, incapaz de violências, é homem de x mais B”. Distraído e desalinhado, cara aquadra­dada, em moldura de cabelos pretos, é um meigo. Para um taciturno, suicida malogrado, de mãe louca, até que se acertou. É professor da Escola Militar, onde difunde o positivismo. Mas vive ultrapassado por bem-nascidos. Só agora, aos 52 anos, chegou a tenente-coronel. Está desgostoso com a trans­ferência, a mando de Ouro Preto, do 22º Batalhão e com a prisão do tenente Carolino – no banheiro, bem quando o chefe de gabinete o foi procurar. Em outubro, em homenagem a oficiais chilenos na Escola Militar da Praia Ver­melha, extravasou. O ministro da Guerra saiu chispando, já jovens militares improvisavam baile para Benjamin e a República… do Chile.

Desde aí, uma azáfama. Conciliábulos no Clube Militar, com Mena Barreto, Deodoro, Sólon, e com civis, representados por Quintino e Lobo. Nessa segun­da-feira, Solón lhe traz pactos de sangue entre oficiais do Exército e alunos da Escola Superior de Guerra, pedindo a “destituição daqueles que só de males têm enchido o nosso país”. Então vai a Deodoro, presentes Quintino, Lobo, Francisco Glicério e Rui Barbosa: “General, [ … ] não é mais possível recuar: o Exército fará a revolução [ … ]”. O conclamado está de cama, mas assegura o apoio do ajudante-general Floriano Peixoto.

No dia 14, às 18 horas, de manta no pescoço e chapéu civil, volta a Deo­doro. Encontra só d. Marianinha: o doente pernoita na casa do irmão João, no Andaraí. “É preciso que a senhora o mande chamar.” Mas Deodoro talvez não amanheça, conta a Lobo e Glicério, no largo de São Francisco, e envia recado a Quintino: o “movimento” está adiado.

Contudo, o boato de Sólon já surte efeito. Às oito da noite, Mena Barreto subleva o 9º Regimento: “Deem-me uma blusa e uma espada, para mos­trar como se morre por um general!”. Distribui-se munição, conseguida em depósitos do governo devidamente arrombados. Às dez, o tenente-coronel Silva Telles encontra seus comandados do 1º Regimento em armas. Não podendo demovê-los, junta-se a eles.

Pelas quatro da manhã, Benjamin é acordado por oficiais da 2ª Brigada. Enverga sobretudo e chapéu alto, para esconder a farda. Quepe na mão, embrulhado em jornal. Manda chamar Deodoro e Floriano e pedir apoio ao Clube Naval. Diz à esposa que queime os pactos de sangue, em caso de insucesso. Ela recomenda: “Finja-se de médico indo ver doente”.

São quase cinco e meia quando avista Sólon, Mena Barreto e Pedro Pau­lino, outro irmão de Deodoro, vindo pelo Mangue, com o 1º Regimento de Cavalaria, a guarda de honra da Escola Superior de Guerra, o 2º Regimento de Artilharia e suas 16 bocas de fogo, e o 9º Regimento, a pé, de espada e revólver. Na retaguarda, a carroça de munições. Sem música, bandeira ou muito entusiasmo.

Benjamin os saúda e recebe vivas. Serzedelo Correia pergunta quem comanda. “Se Deodoro não vier, comandará esta força o Floriano.”

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