De Henry James para Stevenson

De Stevenson para Henry James

HONOLULU, MARÇO DE 1889

Meu caro James,

É verdade – confesso –, estou em falta com a amizade e (o que não é tão grave, mas ainda assim digno de nota) com a civilização. Passo outro ano longe de casa. Aí está, nu e cru, e agora sim é que você não põe mais fé em mim e benfeito (dirá você) e que o diabo me carregue. Mas veja bem e me julgue com brandura. Tive mais diversão e prazer nos últimos meses do que jamais em minha vida, e mais saúde do que em dez longos anos. E mesmo aqui em Honolulu o frio me fez murchar; e estas preciosas águas estão repletas de ilhas a serem desbravadas; e ainda que o mar seja um ambiente funesto, gosto de navegar; e gosto das borrascas (depois que elas passam); e chegar a uma nova ilha, não sei nem dizer como isso é bom! Em suma: levo por mais um ano esta vida e pretendo tentar me esquivar às flechas envenenadas e (se possível) vol­tar são e salvo e conversar com Henry James como outrora; nesse meio-tempo, deixo instruções a H.J. para que me escreva mais uma vez. Que ele envie sua carta aqui para Honolulu, pois meus rumos são incertos; se ela for enviada para cá, há de me seguir e de me encontrar, se eu puder ser encontrado; e se eu não puder ser encontrado, o bom James terá cumprido seu dever, e nós estaremos no fundo do mar, onde não se pode esperar que carteiro algum nos descubra, ou definhando numa ilha de coral, servos resignados de algum potentado bárbaro – quiçá até de um missionário americano. Minha mulher acaba de enviar à sra. Sitwell uma tradução (tant bien que mal) de uma carta que recebi de meu melhor amigo neste canto do mundo: vá visitá-la e dê uma espiadela na carta; vai lhe fazer bem; é um método de correspondência ainda melhor que o de Henry James. Faço troça, mas, de verdade, é uma coisa estra­nha para um escriba de meia-idade, gasto e doente como R.L.S., receber uma tal carta de um homem de 5 0 anos, político de destaque, orador de primeira, a melhor cabeça de seu vilarejo: em poucas palavras, “o deputado mais popu­lar de Tautira”. Meu século 19 veio dar aqui, e se posta ao lado de algo belo e ancestral. Acho que o destinatário de uma carta como essa deveria se cobrir de modéstia – diria até [trecho ilegível] e, para mim, mais vale tê-la recebido do que ter escrito Redgauntlet ou o sexto canto da Eneida. Dito isto, se meus livros me permitiram ou me ajudaram a fazer esta viagem, a conhecer Rui e a receber essa carta, eles não terão sido (segundo a velha fórmula dos pre­fácios) escritos em vão. Isto pode soar menos a modéstia que a fanfarronice; porém posso lhe garantir que, de fato, as duas coisas são verdade. Um pouco do que diz a tal carta é mérito meu; não tudo, mas um pouco pelo menos; e este pouco me orgulha, e todo o resto me envergonha; e quão mais belo é no geral o homem antigo se comparado ao de hoje!

Ora, ora, Henry James é um bom homem, muito embora seja do século 19, e isso a olhos vistos. E para cair em suas graças, quisera eu ser mais explícito; porém, de fato, não tenho como ser menos vago, e não sei dizer o que vou fazer, nem para onde vou por algum tempo ainda. Assim que eu tiver cer­teza, você saberá. Todos vão muito bem –— a mulher, sua compatriota, menos que todos; os problemas não são completamente alheios; mas no geral pros­peramos, e somos, afetuosamente, seu,

Robert Louis Stevenson

 

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